Páginas

25 de julho de 2013

Bentinho e Capitu: as relações familiares no século XIX sob a interface de Dom Casmurro


                                                                                                                      Tafnes  Canto[1]
                                                                                                                                                        
Dom Casmurro: eis a obra!
                  Esta enigmática obra de Machado de Assis tem suscitado o interesse e a curiosidade de leigos e profissionais da História e da Literatura. Com primor, Machado construiu Dom Casmurro, fazendo uso magistral da arte de insinuar, sem, no entanto, confirmar qualquer fato. O resultado é um romance de sucesso. Mas, pelas lentes da História, “Dom Casmurro” pode ser visto para muito além de um enredo bem escrito.
                  Grande parte da obra abrange o apogeu do Segundo Reinado, porém sua história, que acompanha a vida de Bentinho até seus dias de solidão no fim da vida, estende-se pelo período da crise, contemplando a abolição da escravidão e o período de instalação do regime republicano. A partir da segunda metade do século XIX, a sociedade como um todo, e por conseqüência, a família, vivia transformações em seu “habitus”, devidas, especialmente, às influências do capitalismo. Estas transformações associadas às mudanças políticas e econômicas se estenderam para o plano do social e do cultural, podendo ser observadas em “Dom Casmurro”. Em relação a esta obra, nos interessa, em especial, observar o declínio do sistema patriarcal familiar e sua coexistência com a nova família que se formava, conhecida como doméstica, e, por conseguinte, as novas relações de gênero que surgiam com a emergência desta formação familiar. A análise do romance machadiano foi orientada pela leitura de obras que trabalham as relações entre História e Literatura, a contextualização histórica da família na virada do Império para a República, bem como apreciações históricas das obras de Machado de Assis, realizadas preferencialmente por historiadores, a exemplo de Sidney Chalhoub.
                  Contrariando o conselho de Bosi (1994), que diz que um romance machadiano não deve ser resumido, pois o que neles importa, realmente, não são os fatos em si, mas as múltiplas intenções e pequenas atitudes e gestos de suas personagens, nos valeremos deste recurso para familiarizar o leitor com o enredo construído por Machado. Na obra, quase uma memória póstuma, Bento Santiago descreve – ao final de sua vida –  sua história com Capitu, e como ele mesmo, o Bentinho da infância, veio a tornar-se Dom Casmurro, um homem recluso, ensimesmado, e por que não dizer, desconfiado.
                  Assim como em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o narrador de “Dom Casmurro” não é onisciente. Bento conta a história a partir de sua perspectiva, seu objetivo é convencer o leitor de seu ponto de vista, ou seja, persuadir-nos de que Capitu, sua amiga de infância e esposa, é realmente culpada de adultério. Gledson explica que embora o que Bento diga não seja a verdade, nem fidedigno, se sua retórica nos convencer “partilharemos suas limitações e deixaremos de entender a verdade que o autor (isto é, Machado) torna acessível a nós, e da qual o próprio narrador, como personagem, faz parte”. (GLEDSON, 1986, p. 16).
A família em Dom Casmurro
                  O narrador-personagem, Bento Santiago, é um herdeiro de uma família de posses. Sua família mudou-se para o Rio de Janeiro quando o pai, Pedro de Albuquerque Santiago foi eleito deputado. Os Santiago possuíam terras, nove casas – cujo aluguel lhes rendia mensalmente um conto e setenta mil réis mensais – e escravos, cujo aluguel também compunha a renda de Dona Glória, mãe de Bentinho. Mas, como muito bem observado por Roncari, a família de Bento apresenta-se como uma família patriarcal em declínio, “só há ruínas e simulacros: o retrato dos pais na parede, escravos que não sustentam mais a família, agregados volúveis que com pouca coisa mudam de opinião, como é o caso de José Dias” (RONCARI, 1993, p. 211).
                  Na família originária de Bento, podemos perceber elementos da família patriarcal, e que, em alguns casos, permanecerão na família doméstica, como por exemplo, a religiosidade. O primeiro filho de Dona Glória nasceu morto, por esta razão, “pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão metê-lo na igreja”. Conforme os anos iam passando e com a chegada da viuvez, Dona Glória passou a sentir o temor de separar-se do filho, “mas era tão devota, tão temente a Deus, que buscou testemunhas da obrigação, confiando a promessa a parentes e familiares” (ASSIS, 2009, p. 63). Chegado os quinze anos de Bentinho, o assunto veio à tona na casa dos Santiago, causando grande comoção no rapaz e em sua amiga de infância, Capitu:
A atenção de Capitu estava agora particularmente nas lágrimas de minha mãe; não acabava de entendê-las. Em meio disto, confessou que certamente não era por mal que minha mãe me queria fazer padre; era a promessa antiga, que ela, temente a Deus, não poderia deixar de cumprir (ASSIS, 2009, p. 76)
                  A partir daí, o casal procurará de todas as formas livrar Bentinho do Seminário. Como bem explica Sidney Chalhoub, a personagem Capitu,
consegue penetrar a lógica patriarcal e, desvendá-la, e então interpretar corretamente as motivações e atitudes de seus antagonistas de classe. As pessoas não são boas ou más, como pensa Bentinho, apenas expressam seus preconceitos sociais e culturais (2003, p. 88)
                     Dona Glória aprovava a amizade entre Bentinho e Capitu: “A promessa de D. Glória é o impedimento para que Bentinho e Capitu possam casar-se. Único empecilho, de resto, pois a mãe de Bentinho não tem prosápias de classe e preza os Pádua, pais de Capitu”. (BOSI, 2002, p. 59).
                     A família de Capitu não tinha bens. O senhor Pádua era funcionário público e era proprietário da casa que morava com sua família. Não se pode dizer que eram agregados, pois financeiramente, não dependiam em nada da família Santiago. Pelo contrário, este personagem criado por Machado, não via com bons olhos os agregados: “Não, eu não sou como os outros, certos parasitas, vindo de fora para a desunião das famílias, aduladores baixos, não; eu sou de outra espécie; não vivo papando os jantares nem morando em casa alheia.” (ASSIS, 2009, p. 126)
                     O velho Pádua não admitia ser como eles, pois não contava com a renda dos Santiago, apenas com os bons conselhos de Dona Glória, e a isto se resumia sua divida de gratidão. As duas famílias cultivavam boas relações, mesmo que a família Pádua não estivesse em equidade sócio-econômica com a família vizinha.
                     Até este momento da narrativa, Machado vem mostrando que os valores da família patriarcal já não eram tão estanques ou rigidamente considerados como no passado. Como se pode constatar, a escravidão não era o único sustentáculo desta família, que se lançara também no ramo imobiliário. Relações de convívio e amizade estabelecidas somente com aqueles pertencentes ao círculo das melhores famílias, também parecem não ser a prática adotada pela família Santiago descrita por Machado de Assis, tão pouco Dona Glória opunha-se a um casamento desigual, valorizando os dotes e o patrimônio das famílias com as quais se relacionava. Esta nova postura pode ser vista como um sintoma de que a realidade nas poderosas famílias da elite - que viam o casamento como parte dos negócios familiares - estava transformando-se e que os valores românticos, um dos elementos importantes no surgimento da família doméstica, começava a mudar a feição das famílias patriarcais.                     
                     Para narrar o ocaso da família patriarcal, Machado de Assis, mais uma vez, dedica uma atenção especial à figura dos agregados. Nos romances anteriores, estes apareciam ascendendo socialmente através do casamento. Em “Dom Casmurro”,
a história de Bentinho e Capitu dispõe de narração mais encorpada; e o gosto de marcar as personagens secundárias, como o tipo superlativo do agregado José Dias, dá-lhe um ar de romance de costumes que não destoa das referencias precisas que nele se fazem à atmosfera e os padrões familiares do Rio nos meados do século. (BOSI, 1994, p. 182).
                  O personagem José Dias parece deixar claro qual a estratégia que deveria ser empregada pelos agregados para contornarem o sistema e conquistarem seus objetivos, sem contrariar a vontade de seus protetores. Isto fica evidente quando argumenta que já era tempo de Bentinho participar de eventos sociais, oferecendo-se para ser seu acompanhante e assim, poder realizar seu desejo de ir ao teatro. Ou mesmo, nas muitas tentativas que fez de convencer Bentinho de que uma viagem à Europa poderia livrá-lo do seminário. Capitu, mais uma vez, é a personagem que vê através do sistema e planeja usar o poder de persuasão que o agregado possuía dentro da casa dos Santiago para evitar que seu namorado partisse para se dedicar à vida eclesiástica. Mas, como veremos mais adiante, a solução não viria do agregado, pois no enredo construído por Machado não foi ele o articulador da saída de Bento do seminário.
                  A própria personagem Capitu, que não era uma agregada, mas encontrava-se em posição inferior, fazia uso das sutilezas, procurando aproximar-se cada vez mais de Dona Glória, até que ela não pudesse pensar em outra nora que não fosse ela, caso os planos da saída de Bento do seminário realmente se concretizassem: ”Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos” (ASSIS, 2009, p. 76) Para Gledson, esta personagem descrita como meio-menina, meio-mulher, não está, absolutamente, alheia ao sistema e ao seu funcionamento, e, por conhecer sua lógica, age por dentro das engrenagens do sistema patriarcal.
                  Assim, agregados e subordinados sempre evitavam o confronto direto com seus superiores, perseguindo seus objetivos, sem chocar-se com o sistema patriarcal, mas burlando-o com dissimulação, estratégia e astúcia. Só assim, poderiam enfrentar seus poderosos antagonistas, sempre prontos a sufocar aqueles que se mostrassem insubordinados. Mais adiante, veremos como Bento, um herdeiro da classe senhorial, ao formar uma família doméstica – com uma mentalidade ainda patriarcal – veio a lidar com estas questões.
                  Porém, como já adiantamos a pouco, não foi a engenhosidade do agregado José Dias – apesar das inúmeras iniciativas – que levou Bento a abandonar os estudos teológicos, para dedicar-se à Faculdade de Direito em São Paulo, mas seu amigo Escobar, outro seminarista sem vocação, como podemos perceber nesta passagem do romance:
- Sua mãe fez promessa a Deus de lhe dar um sacerdote, não é? Pois bem, dê-lhe um sacerdote , que não seja você. Ela pode muito bem tomar a si algum mocinho órfão, fazê-lo ordenar a sua custa, está dado um padre ao altar , sem que você...
(...)
- Sim, parece que é isso; realmente a promessa cumpre-se, não se perdendo o padre. (ASSIS, 2009, p. 187)

O casamento de Bentinho e Capitu: relações de gênero
                  A solução agradou a todos, e após Bentinho ter deixado o Seminário, concluiu estudos de Direito em São Paulo. Por ocasião de seu retorno, a presença de Capitu na casa dos Santiago já era indispensável e o casamento se deu sem qualquer preocupação com as diferenças sócio-econômicas que existiam entre eles. Na verdade, a imaturidade emocional de Bento, permitiu que Capitu a ele se impusesse, em uma união socialmente desigual.
                  O dote, tão importante em tempos anteriores para as famílias da elite nas negociações de casamento, sequer é mencionado em Dom Casmurro, o que corrobora as afirmações de Muaze, que nos explica que durante o século XIX
(...) a concessão do dote se transformou. Perdeu o caráter de veiculo privilegiado de transferência de riquezas para que um casal iniciasse sua vida produtiva . Seus valores raramente ultrapassavam a legitima e os pais não necessitavam utilizar a terça para completar ou melhorar o dote da primeira filha, como ocorria anteriormente. Apresentou-se sob outras formas e roupagens até que os debates travados na imprensa, literatura e academia de medicina e outros veículos , acrescidos de um ideal de amor romântico, acabassem, pouco a pouco, diluindo essa tradição por completo (2008, p.48).
                  Além da ausência de dote, a equidade etária do casal, que possuía apenas um ano de diferença, e um casamento por amor representam um comportamento muito distinto das preocupações da elite patriarcal empenhada na manutenção do poder e da fortuna. A família estava, efetivamente, mudando suas práticas.
                  Na narrativa de Machado, Capitu e Bento formam um pequeno núcleo familiar, residindo separadamente das famílias de origem, no alto da Tijuca. Em capítulo denominado “No Céu”, o narrador descreve poeticamente – e com a imaginação que é própria de Bentinho –, os primeiros anos de casado:
(...) o céu recolheu a chuva e acendeu as estrelas, não só as já conhecidas, mas ainda as que serão descobertas daqui a muitos séculos. (...) De quando em quando, tornávamos ao passado e divertíamo-nos em relembrar as nossas tristezas e calamidades, mas isso mesmo era um modo de não sairmos de nós.  (ASSIS, 2009, p. 193 e 194)
                  As alterações significativas introduzidas no cotidiano das mulheres também podem ser constadas em “Dom Casmurro”, uma vez que nela são descritos os passeios, as visitas a parentes e amigos chegados, as idas ao teatro e aos bailes, tão comuns na vida dos personagens machadianos. Bento diz que nestes momentos, Capitu comportava-se “como um pássaro que saísse da gaiola” (ASSIS, 2009, p. 196). A referência feita ao termo gaiola para representar o domicílio familiar, parece sugerir que, a despeito das conquistas das mulheres, estas ainda se encontravam presas à estrutura própria da família doméstica. O casal que vivia agora para si, quando em sua residência, passava as noites na janela, contemplando o mar, o céus, as montanhas, os navios e as pessoas que passavam na praia. É o personagem Bentinho quem nos dá mais detalhes:
Às vezes eu contava a Capitu a história da cidade, outras dava-lhe notícias de astronomia; notícias de amador que ela escutava atenta e curiosa, nem sempre tanto que não cochilasse um pouco. Não sabendo piano, aprendeu depois de casada, e depressa, e daí a pouco tocava nas casas de amizade. Na Glória era uma de nossas recreações; também cantava, mas pouco e raro, por não ter voz; um dia chegou a entender que era melhor não cantar nada e cumpriu o alvitre. (ASSIS, 2009, p. 197).
                  Assim que o enredo desloca-se para a família doméstica formada por Bento e Capitu, podemos perceber a introdução de alguns elementos ao cotidiano das mulheres, tais como a ampliação da sociabilidade feminina, a valorização das mulheres que soubessem tocar piano e que colocassem em prática a arte de bem-receber. Por estarem mais sujeitas à exposição pública, precisavam representar bem o esposo, onde quer que se encontrassem, demonstrando controle absoluto sobre o funcionamento do lar.
                  No que diz respeito aos papéis sociais, o homem ainda é o único provedor da família. Mas, nem tudo permanece igual, Bento, por exemplo, não vive de renda como o personagem Jorge, de “Iaiá Garcia” – outra obra machadiana- ele sustenta sua família com seu trabalho como advogado. A mulher, na figura de Capitu, permanece no âmbito doméstico, cuidando da casa e do filho, que chega depois do que foi uma longa espera para os personagens. Esta espera foi marcada pela religiosidade, pois “Capitu pedia-o em suas orações” e diz Bentinho, “eu mais de uma vez dava por mim a rezar e pedi-lo” (ASSIS, 2009, p. 196).
                  Quando Machado de Assis narra o nascimento do tão esperado filho de Bento e Capitu – que recebeu o nome de seu melhor amigo, Ezequiel (primeiro nome de Escobar), casado com a melhor amiga de Capitu, Sancha – fica nítida outra importante mudança na feição da família. A transformação a que nos referimos é a que se dá em relação ao papel da criança na família doméstica, que passa a receber muita atenção já em meados do século XIX, mesmo nas famílias patriarcais.
                  Uma das alterações introduzidas pela difusão das relações capitalistas no Brasil, foi a de que a criança passou a ser vista como uma consumidora em potencial, o que contribuiu para sua valorização. No romance machadiano, Bento relata que comprava muitos brinquedos para o menino Ezequiel: “nunca lhe dei oratórios; mas cavalos de pau e espada à cinta eram com ele. (...) Comprei-lhe soldadinhos de chumbo, gravuras de batalha que ele mirava por muito tempo (...).“ (ASSIS, 2009, p. 205).
                  O texto de Machado retrata bem as conclusões da investigação feita por Mariana Muaze, que nos explica que, com a entrada do capitalismo,
em termos de consumo, o público infantil também configurava como alvo das mais tentadoras ofertas expostas nas chamativas vitrines de algumas lojas de brinquedo da corte. Com o tempo, os brinquedos rústicos, de madeira, vão dividir espaço com os importados, muitos dos quais possuíam sofisticados sistemas de corda e dispositivos musicais (2008, p. 168).
Também corrobora a análise feita por Raquel Zumbano Atman, em seu artigo “Brincando na História”, - produzido para compor a obra “História das Crianças no Brasil”, organizado por Mary Del Priore. Neste texto, a autora afirma que em fins do século XIX, as crianças também se tornaram alvo do mercado interno brasileiro, com o surgimento de pequenas indústrias que produziam “carrinhos de madeira, bonecas com materiais cada vez mais sofisticados, os trenzinhos de metal, objetos de consumo que despertam na criança o sentimento de posse, o desejo de ter, dificultando o prazer de inventar, construir.” (2000, p. 253) Assim, estas duas autoras sugerem que o surgimento de uma sociedade de consumo – em decorrência dos efeitos do modo de produção capitalista que precisava de mais e mais mercados consumidores – transformou as formas de viver e pensar da sociedade brasileira, alcançando até mesmo as práticas e brincadeiras infantis.
                  Como relatamos no capítulo anterior, na família doméstica há uma maior proximidade entre os pais e os filhos, e, em vários momentos do romance, Machado narra a interação do menino Ezequiel com os membros adultos da família. Isto pode ser observado na descrição que realiza das imitações que o garoto faz de Escobar, da prima Justina e do agregado José Dias.  Machado também narra momentos em que o garoto sentava com o pai à mesa, vinha recebê-lo do trabalho na escada, beijava-o no gabinete pela manhã, pedia à bênção antes de dormir e frequentava as missas na companhia da mãe.  O personagem Bento expressa também sua proximidade com o filho, como se pode constatar neste trecho:
Fora, vivia com o espírito no menino; em casa, com os olhos a observá-lo, a mirá-lo, a perguntar-lhe donde vinha, e por que é que eu estava tão inteiramente nele, e várias outras tolices sem palavras, mas pensadas ou deliradas a cada instante. (...) As horas de maior encanto e mistério eram as da amamentação. Quando eu via o meu filho chupando o leite da mãe, e toda aquela união da natureza para a nutrição e vida de um ser (...) ficava que nem sei dizer, nem digo (...) (ASSIS, 2009, p. 201).
                  A menção à amamentação pode ser entendida como uma referência ao papel de nutriz que a mãe exercia nesta época, qualidade exaltada pelos conhecimentos médicos-cientificos em expansão neste período. Mais uma vez o romance nos permite reconstituir um período em que, gradativamente, os médicos, e não mais os padres ou professores, passam a interferir nos lares brasileiros.
                  Todos os elementos apontados até aqui, a constituição de um lar nuclear, o casamento por amor, a equidade etária, a possibilidade de uniões em disparidade sócio-econômica, casas mantidas pelo trabalho e, não apenas pelas rendas advindas do patrimônio administrado, e as mudanças no papel da mulher e da criança, atestam que Machado de Assis, no romance “Dom Casmurro”, narrou as mudanças em curso nas famílias da elite brasileira. Mas, para autores como Roncari, é o mistério maior que envolve a obra – a infidelidade ou não de Capitu – que se constitui na maior evidência – presente no enredo de Machado – de que a sociedade efetivamente mudara. Para Roncari, a família doméstica constituída por Bento e Capitu é

justamente o oposto da família patriarcal, a família doméstica que só vive o idílio (...). Essa família fechada, restrita ao casal, porém, desmorona com a traição. Idílio e traição, fechamento e traição, são dois elementos impossíveis para a família patriarcal. Esta tem que ser aberta, ampla, agregadora, tendo consigo uma dimensão de domínio social e político, caso contrário ela não se realiza de fato. E a traição destrói a própria figura do patriarca; é impensável a suspeita da traição na família patriarcal (1993, p. 211)
                  Para Chalhoub, Bento, enquanto um herdeiro da classe senhorial, “escrevendo no final da década de 1890, está empenhado em encontrar justificativas para o seu empobrecimento e decadência social” (2003, p. 83). Tomando para si a condição de vítima, é sobre a figura dos agregados, subordinados e dependentes que “Dom Casmurro” coloca a culpa de sua decadência e infelicidade, que na verdade, são conseqüências de sua inabilidade para lidar com as dimensões políticas de sua ruína. Ao longo do romance, o narrador faz um retrospecto de sua vida e reinterpreta os fatos. Aquilo que para Capitu constituía-se em uma forma de resistência e sobrevivência em uma sociedade desigual, foi analisado por “Dom Casmurro” como traição e falsidade, por isso, “Capitu não pode então escapar de sofrer os ataques e a sanha vingativa do marido, de Dom Casmurro”. (CHALHOUB, 2003, p. 84).
                  Embora esteja certo da traição, Bento não a admite para os seus. Embora a separação do casal se dê efetivamente, não é dada a conhecer aqueles com quem conviviam, devido a um estratagema criado por Bento. Capitu e Ezequiel – que, na visão de Dom Casmurro, é fruto do adultério – são enviados à Suíça, acompanhados de uma dama de companhia encarregada de lhes ensinar línguas – aspecto muito importante já que a separação era definitiva e mãe e filho deveriam permanecer no exterior. Bento viaja à Europa apenas para simular visitas à esposa e ao filho, despistando àqueles que perguntavam por eles.
                  A transição de Bento para “Dom Casmurro” demonstra o quanto foi doloroso este processo de separação, ratificando também que a troca de valores e a mudança de mentalidades não se deram tão rapidamente para muitos dos brasileiros. Do mesmo modo, as relações de gênero não sofreram alterações tão profundas com o declínio do sistema patriarcal. Pode-se dizer que isto fez com que o personagem criado por Machado, no fim de sua vida e saudoso dos tempos do patriarcalismo, decide reproduzir – em sua residência no Engenho Novo – a casa da Rua Matacavalos, assim, “num cenário físico e social tão transformado como o do Rio em 1899, Bento ainda pode pensar em construir uma casa com o mesmo “aspecto e economia” que a de sua infância”. (GLEDSON, 1986, p. 56).
                  Em “Dom Casmurro”, Machado de Assis narrou com maestria este processo de adaptação da sociedade brasileira às mudanças que vinham ocorrendo desde meados do século XIX, e que encontraram seu auge na virada para o século XX. Dentre elas, apontou para o surgimento da família doméstica, que se apresentava como um novo modelo, pelo menos, para a elite. Também deixou claro, que esta nova família, a doméstica, coexistiu com a família patriarcal em decadência, modelo que, pouco a pouco, precisou ceder espaço para o padrão nuclear burguês.
Considerações finais
Podemos dizer que Machado de Assis, em Dom Casmurro, tematiza a transformação do modelo familiar das elites a partir, entre outros fatores, da entrada maciça do capitalismo no Brasil. Nesta obra, a família patriarcal é narrada não mais em toda a sua pompa e poder, mas com foco em sua decadência e na transformação de seus valores. Machado, em razão disso, nos apresenta – em uma mesma obra –, tanto a família patriarcal, quanto a doméstica, o que se aproxima das conclusões das pesquisas mais recentes, que afirmam que não houve uma ruptura radical entre os dois modelos, já que conviveram por um bom tempo. A figura de Dom Casmurro pode ser apontada como a personificação desse doloroso e gradativo processo de mudança. Cabe ressaltar a importância assumida pela criança na família doméstica, bem como a ampliação da sociabilidade feminina, fenômenos que foram observados na família doméstica formada por Bento, Capitu e o filho Ezequiel. Por outro lado, não se pode afirmar que o surgimento da família doméstica tenha reformulado os papéis sociais ocupados pelo homem e pela mulher dentro da família visto que, apenas substitui-se o patriarca pelo pater cidadão, e que à esposa ainda cabe as tarefas estritamente relacionadas ao âmbito do lar.
                  Historicamente, diversos fatores promoveram a transformação dessas famílias, embora, inicialmente acreditássemos que o capitalismo tivesse sido o único responsável para as mudanças nas famílias da elite na virada do Império para a República. Ao longo da pesquisa, descobrimos que além da entrada maciça do modo de produção capitalista, também contribuíram para a transformação: as expressões do individualismo, a crescente urbanização, os valores românticos e a valorização do conhecimento médico – científico. De um modo especial, estes foram os propulsores da grande transformação a que as famílias da elite estiveram sujeitas. De maneira gradual, estes fatores foram moldando a cultura e o “habitus” das famílias patriarcais. Bentinho e Capitu, os personagens de “Dom Casmurro”, assim como muitos brasileiros das primeiras décadas do século XX viveram concretamente as implicações de uma sociedade marcada pelo capital e pelo consumo, pela continuidade e ampliação das expressões do individualismo e pelas transformações que a multiplicação do conhecimento promove constantemente.

Referencias Bibliográficas
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. Porto Alegre: L&PM, 2009.
ALTMAN, Raquel Zumbano. Brincando na História. In: PRIORE, Mary Del. História das Crianças no Brasil. 2 ed. – São Paulo: Contexto, 2000, p. 231 a 258.
BOSI, Alfredo. Machado de Assis. São Paulo: Publifolha, 2002.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 32ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1994.
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
GLEDSON, John. Machado de Assis: Ficção e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
MUAZE, Mariana. As Memórias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
RONCARI, Luis (debatedor). Direções da Pesquisa em Literatura e História. In: CHIAPPINI, Ligia e AGUIAR, Flávio Wolf. Literatura e História na América Latina: Seminário Internacional 9 a 13 de setembro de 1991. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.




[1] Graduada em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e especialista em Metodologia do Ensino pela FAP-PR. 

18 de julho de 2013

Escrita Criativa em História: ensinar a escrever um compromisso com a cidadania

Por Tafnes Canto


 Resumo: Refletir e pesquisar constantemente sobre questões metodológicas faz parte da prática docente. Encontrar maneiras de conectar os objetivos amplos da educação e específicos da sua disciplina é tarefa desafiadora, a qual esse artigo busca responder no que diz respeito às aulas de História do Ensino Fundamental II. Embasado nos pressupostos teórico-metodológicos da Pedagogia Adventista, nas contribuições de Knight (2010) e Lemov (2011), a presente pesquisa resultou em uma sugestão de prática pedagógica emergente para as aulas de História, ora denominada Escrita Criativa em História, cujo foco está na produção do conhecimento histórico e na construção criativa e autônoma de textos. A preocupação com a escrita criativa nas aulas de História deve-se ao entendimento de que o ato de ensinar a escrever é um compromisso de todas as áreas, afim de que a cidadania seja um legado efetivo da escola. O conceito e estruturação desta prática pedagógica baseiam-se nos estudos de Behrens (2005) sobre o paradigma emergente. 

 Palavras-chave: História, escrita criativa, cidadania.


Considerações iniciais - Entre os principais objetivos da educação para o Ensino Fundamental, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais está a compreensão, por parte dos estudantes, do conceito de cidadania e a aquisição de habilidades que o tornem de fato um cidadão, tais como a capacidade de 

posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país; conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998 p. 7) 


        Neste ínterim, a História ocupa uma posição privilegiada para levar os estudantes a alcançarem efetivamente esses objetivos, afinal, os processos históricos levam a reflexões sociais, promovem a construção de identidades e ensinam a relevância dos lugares de memória, materializados no patrimônio sociocultural. 

            Recentemente, os estudos pedagógicos, porém, tem indicado que o papel da disciplina histórica só estará completo em seu intuito de formar para a cidadania se compreender que ensinar a ler e a escrever é responsabilidade de todas as áreas. De acordo com Paulo C. Guedes e Jane M. Souza em capítulo para a obra “Ler e escrever: um compromisso de todas as áreas”, 

 se nós, professores de todas as áreas, proporcionarmos a nossos alunos oportunidades para que escrevam muito para dizer coisas significativas para leitores que querem informar, convencer, persuadir, comover, eles acabarão descobrindo que escrever não é aquela trabalheira inútil de preencher 25 linhas, de copiar livro didático e pedaços de enciclopédia. Nossos alunos descobrirão que são capazes de escrever para dizer a sua palavra, para falar deles, de sua gente, para contar sua história, para falar de suas necessidades, de seus anseios, de seus projetos e acabarão por descobrir que são gente, que tem o que dizer, que têm história, que têm necessidades, anseios, que tem direito a satisfazer suas necessidades, a fazer projetos, que podem aspirar uma visão melhor, enfim. (2011, p. 23) 

            As habilidades descritas acima estão em consonância com àquelas que se espera de um cidadão compromissado com a sociedade em que vive, e não podemos exigir que um desafio tão amplo seja abraçado apenas pelos professores de Língua Portuguesa. 
           O presente artigo visa apresentar uma proposta de prática pedagógica nas aulas de História do Ensino Fundamental II, que encare esse desafio completo de formar para a cidadania. Não se trata de um projeto efêmero, afinal, ensinar a ler e a escrever não é tarefa para uma semestre, bimestre, mês, quanto mais uma semana! Ensinar a ler e a escrever é uma necessidade diária se desejamos que os estudantes o façam de maneira competente. 
            Escrita criativa em História é uma proposta de prática pedagógica que permite a produção de conhecimento reflexivo, por meio de leituras, aulas expositivas-dialogadas, pesquisas, entre outras metodologias – algo habitualmente promovido pelos professores de História - e culmina com a produção criativa de textos verbais e não verbais, prática a ser implementada com efetividade. 
            Além da formação para a cidadania, a escrita de textos criativos nas aulas de História visa solucionar um problema comum mas, que necessita urgentemente de uma solução viável, segundo apresenta Behrens em sua obra “ O paradigma emergente e a prática pedagógica”: 

Os alunos estão acostumados, em sua grande maioria, a realizar trabalhos de pesquisa simplesmente compilando os conteúdos de vários livros didáticos ou acessando a rede informatizada imprimindo informações disponíveis na Internet. Para dar volume as folhas, sem entender o real significado do assunto que está sendo pesquisado, copiam diversas partes do que os autores apresentam em suas obras ou sites. Constroem uma colcha de retalhos sobre conhecimentos diversos e que, às vezes, na composição final da pesquisa, tornam-se até contraditórias. A pesquisa que se apresenta no volume de conteúdo copiado, nas ilustrações, no número de folhas, na capa elaborada, torna-se questionável quanto ao mérito e à qualidade, pois valoriza mais o aspecto estético do que o valor da elaboração do aluno. Pelo grande número de folhas exigido dos alunos, dificilmente o professor tem tempo de fazer uma leitura integral dos trabalhos apresentados e este fato provoca avaliações tendenciosas e inconscientes. (2005, p.85)


          Certamente todo professor já se deparou com situações semelhantes e elas continuarão a existir se não forem alterados os caminhos que professores e estudantes percorrem até a produção de textos dentro e fora de sala de aula. Oferecer uma sugestão de percurso que leve a produções originais e altamente reflexivas é o cerne da proposta pedagógica em questão. 
           Ela ainda é validada por se encontrar em consonância com os objetivos da educação adventista, que de acordo com seu estatuto, denominado Pedagogia Adventista, prevê “oportunizar o desenvolvimento do senso crítico, da criatividade, da pesquisa e do pensamento reflexivo” (2004, p. 51). Ao prover o alcance deste objetivo, a proposta sintoniza-se também aos princípios metodológicos da pedagogia adventista, ao contemplar a integração fé-ensino pois, segundo a escritora Ellen White ao formarmos este pensamento reflexivo contribuímos para que a Palavra seja compreendida de forma mais plena, pois segundo ela, “as verdades da divina Palavra podem ser melhor apreciadas pelo cristão intelectual. Cristo pode ser glorificado melhor por aqueles que O servem com inteligência” (2000, p. 361). E estar a serviço de Deus é também cumprir sua obra de cuidado ao próximo, um conceito que se encaixa no entendimento de cidadania. Os estudantes são assim, incentivados a utilizar seus conhecimentos para solucionar os desafios que apresentados na vida das comunidades complexas do nosso tempo. 


 Uma proposta de prática pedagógica - Escrita criativa em História foi embasada nas fases do paradigma emergente expostos por Behrens em sua já citada obra. Por paradigma emergente se entende a prática pedagógica inovadora, centrada na produção de conhecimento, - uma ciência que ultrapasse a fragmentação e busque o todo, que “contemple as conexões , o contexto e as inter-relações dos sistemas que integram o planeta” (BEHRENS, 2005, p. 15). 
          As fases do paradigma emergente foram elaboradas a partir de pesquisas e experiências realizadas pela pós-graduação da PUCPR e sintetizadas por Behrens. As etapas de Behrens foram pensadas para o ensino universitário. Neste artigo, divulga-se a apropriação e a possibilidade de adaptação para o trabalho com o Ensino Fundamental II nas aulas de História. As fases de Behrens foram adequadas para o Ensino Fundamental a partir de teóricos como Knight (2010) Lemov (2011) e os referenciais da pedagogia adventista (2004). A proposta pedagógica que desejamos apresentar é dividida em sete passos, que se constituem em um caminho para a produção de conhecimento histórico e desenvolvimento do senso crítico e incentivo a produção criativa autônoma. Neste artigo, ela é apresentada de forma genérica, podendo ser aplicada a partir dos objetivos de cada professor e dos temas e períodos da História que pretende discutir com seus estudantes. 

Passo I- É o momento de problematizar o tema a ser explorado pelos estudantes, deixando clara sua importância e instigando a curiosidade, elemento vital para que realizem suas próprias pesquisas, leituras e mantenham interesse na aula. Neste passo, são válidas as instruções de Doug Lemov, que após realizar ampla pesquisa sobre técnicas de ensino, identificou 49 práticas utilizadas por professores bem sucedidos, catalogadas na obra Aula Nota 10. A técnica denominada “O Gancho” prevê o mesmo que orientamos para este passo inicial: “um curto momento introdutório, que captura tudo o que há de interessante e envolvente na matéria e coloca isso bem diante da classe – é uma maneira de inspirar e engajar os alunos” (2011, p. 93) Lemov explica que o gancho pode ser uma história, analogia, objeto relacionado ao tema ou mídia – vídeo ou imagem, por exemplo. Outra sugestão é apresentar o status do que está sendo estudado, a importância de um autor ou personagem histórico. Para Lemov, ser breve, capaz de abrir a porta para a explanação do assunto, ser dinâmico e otimista trata-se dos critérios essenciais para uma aplicação adequada desta técnica. 

 Passo II - Só então passa-se a exposição teórica do assunto, aqui o uso de tecnologias, técnicas e materiais didáticos que não só ilustrem o tema, como sirvam a sua problematização e aprofundamento são bem-vindos. Estes poderão ser ministrados de acordo com as características do professor, da turma, adequado ao tema da aula e a realidade de cada escola, como explica Knight (2010), estas três características parecem ser comuns em métodos de êxito, pois “nenhuma metodologia de ensino se aplica sempre a todas as pessoas” (p. 179) 
            Cabe ressaltar que os recursos metodológicos, conforme a Pedagogia Adventista,não substituem 

a explanação e argumentação em sala de aula. Ao contrário, essas abordagens caminham juntas e são interdependentes, adquirindo novo sentido. Não se trata daquela aula expositivo em que o educador fala e o educando ouve, mas de uma interação dialógica. (2004,p. 80) 

        A voz do professor não é paradigma tradicional. Enquanto mediador, o mestre pode conduzir seus educandos através de perguntas e explicações valiosas para sua compreensão de mundo. Esta voz não pode ser calada na sala de aula por modismos pedagógicos mal interpretados, a aula expositiva tem um papel importante dentro da construção do conhecimento mas, sem dúvida, não é seu ponto de chegada, por isto a caminhada continua com o terceiro passo. 

Passo III- É o momento de propor que os estudantes realizem pesquisas e leituras sobre o tema, assim poderão relacioná-las com o que foi explanado e o estudo se tornará mais abrangente. Segundo a Pedagogia Adventista, a palavra pesquisa 

deve ser entendida como um instrumento que propicia a construção do conhecimento e não como uma mera consulta de dados prontos e acabados. O educador deve primar por uma investigação que estimule o raciocínio, a reflexão e a criatividade. Assim, não colocará a mente do educando sob seu controle, mas contribuirá para o desenvolvimento de autonomia intelectual” (2004, p. 70) 


        Estas pesquisas podem ser dirigidas pelo professor, com sugestões de livros, artigos, sites, reportagens, filmes, documentários adicionais, que entenda como essenciais para a compreensão da temática. Assim, também encontrará oportunidade de ensinar aos estudantes os canais, autores, editoras e revistas mais confiáveis em sua área, ajudando-os a diferenciar boas bibliografias de bibliografias superficiais ou tendenciosas. 
              A literatura também pode ser uma aliada. Por ser um produto cultural temporal, as obras, mesmo quando ficcionais, revelam o contexto histórico em que foram produzidas e por isto merecem um local privilegiado na pesquisa histórica. Vale lembrar que ao recomendar ou ao utilizarmos literatura nas aulas de História podemos com facilidade promover interdisciplinaridade, que por sua vez, é um aspecto metodológico imprescindível na atualidade, já que esperamos formar indivíduos com uma visão holística de mundo. 
             E dentro de um propósito ainda mais significativo, ao trabalharmos com literatura enquanto educação cristã, encontramos a oportunidade de fornecer aos estudantes 

uma estrutura bíblico-cristã para pensar e avaliar tudo o que encontram. O estudo literário adquire um significado mais profundo dentro de tal estrutura. Se os jovens são capazes de internalizar os princípios cristãos de seleção e interpretação do estudo literário porque é parte explícita do currículo, então serão capazes de aplicar as mesmas diretrizes em sua vida diária em áreas como música e televisão. (KNIGHT, 2010, p. 168) 

Ensinar a avaliar a literatura e utilizá-la como recurso para a interdisciplinaridade são objetivos amplos. Nas aulas de História, em um plano simples podem ilustrar o conteúdo e em uma proposta mais profunda servem como documento de análise histórica, e neste, caso, estaremos ensinando a ler textos a maneira da História. 

Esse mesmo princípio vale para a análise de filmes, documentários, reportagens, cartas ou obras de arte que venham a conectar-se com o conhecimento histórico. São diferentes tipos de textos os quais os estudantes necessitam aprender a ler para também serem capazes de ler adequadamente o mundo que os cerca. Como afirmamos anteriormente nenhuma disciplina pode se eximir de ensinar a ler e escrever, pois estas 

 são tarefas da escola, questões para todas as áreas, uma vez que são habilidades indispensáveis para a formação de um estudante, que é responsabilidade da escola. Ensinar é dar condições ao aluno para que ele se aproprie do conhecimento historicamente construído e se insira nesta construção como produtor do conhecimento. Ensinar é ensinar a ler para que o aluno se torne capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos.( GUEDES e SOUZA, 2011, p. 15) 

           Promovendo a pesquisa e a leitura colocamos os professores mais uma e estudantes caminham em direção ao objetivo de alcançar a cidadania. 

Passo IV – A cada leitura e pesquisa proposta sugere-se que os estudantes tragam um feedback das mesmas, através de sínteses, que poderão ser apresentadas em forma de resumos, fichas de leituras, fluxogramas, linhas de tempo, entre outros. 
 Passo V – O próximo passo é oportunizar a socialização das pesquisas e leituras. Discussões e críticas podem ser construídas a partir deste momento de socialização. Muitas vezes, será neste debate que o passado encontrará o presente, e fará o papel de auxiliar em sua reflexão. 
 Passo VI- Sugere-se que posteriormente a socialização, coletivamente se estruture um texto que compile o conhecimento apreendido pelo grupo, nos passos anteriores, bem como as críticas e discussões levantadas. Trata-se de uma nova síntese, mais madura e agregadora do conhecimento produzido individualmente e como grupo. 
 Passo VII- Com o preparo advindo do estímulo, exposição, pesquisa, síntese, socialização e nova síntese, os estudantes tomaram tempo para aprender o tema e formar opinião sobre o mesmo, será mais fácil sentir que tem o que dizer e consequentemente estarão mais aptos a produzir textos originais. Aqui também entra o papel do professor, em inovar em suas propostas, para que os estudantes não vejam nem possibilidade nem necessidade de realizar cópias, mas façam jus ao termo escrita criativa. 

            A escrita criativa envolve em um conceito estrito a produção de textos verbais literários, tais como poemas, contos e romances. Em uma perspectiva ampla, também abrange textos não literários e não verbais, tais como, roteiros, filmes, animações, propagandas, crônicas, slogans, entre outros. Ao propor que os estudantes utilizem estes gêneros textuais relacionados a temáticas e reflexões específicas da História e das questões sociais discutidas em aula, poderão expressar o conhecimento construído de forma original, e enquanto professores, estaremos ensinando-os a escrever, um compromisso, também da disciplina histórica, pois “ensinar é ensinar a escrever porque a reflexão sobre a produção de conhecimento se expressa por escrito” ( GUEDES e SOUZA, 2011, p. 15) 
             É importante que esta reflexão sobre a produção do conhecimento elaborada por cada estudante na forma de texto seja compartilhada de alguma forma, seja em no blog da turma, do professor, no mural da escola, em um sarau ou nas mídias sociais. Assim, os estudantes compreendem que o conhecimento deve ser divulgado e acumulado pela sociedade para que os progressos científicos ocorram e novos conhecimentos sejam produzidos. Fernando Seffner ressalta que o compartilhar é o elemento motivacional da produção textual: '

(...) o aluno escreve para quem? Em geral, apenas para que o professor leia, corrija e devolva a ele. Esse é um circuito muito pobre para o texto escrito. Espera-se que um aluno escreva textos para a sala de aula, para serem lidos pelos seus colegas, para serem afixados num mural, para constituírem parte de um cartaz, para serem enviados como carta a outros alunos de outras escolas e a seus pais para a leitura em casa, para que constituam um recurso pedagógico entre outros grupos ou classes, para integrarem um jornal histórico, para servirem de base à construção de uma história em quadrinhos a respeito de determinado episódio histórico etc. Aumentando a circulação aumentamos o interesse e a responsabilidade dos alunos em escrever bons textos. Por outro lado, contribuímos para qualificar a argumentação e o ponto de vista do aluno, na medida em que ele pode comparar seu texto com o livro didático, o de outros alunos, o de outros autores e as opiniões do professor. A opinião do aluno não é nem melhor, nem pior do que a nossa ou a do livro didático, ela é apenas a manifestação da particular relação do aluno, sua realidade e seu contexto, com aquela opinião qualificada do historiador ou corrente da historiografia, resultado da pesquisa e da investigação (2011, p. 122) 

       Os textos produzidos no passo VII, em seus diversos gêneros, são também, um excelente instrumento de avaliação, que prioriza os aspectos qualitativos, aos quantitativos. Hoffmann, lembra que neste sentido, o professor deverá estar ciente de que 

 a análise de tais tarefas dissertativas representará uma questão de abordagem multidimensional, pelo caráter qualitativo e subjetivo que a leitura de seus textos poderá implicar. Caberá ao professor, dessa forma, ter parâmetros claros de aprendizagem frente a essas tarefas e trabalhos, sem cair no risco das tarefas avaliativas desarticuladas de propostas pedagógicas desta natureza, tais como testes objetivos, que não lhe permitirão obter indicadores qualitativos necessários para o acompanhamento da evolução de saberes tão diversos e complexos construídos pelos alunos. (2010,p 54) 

            Assim, a Escrita Criativa em História busca também oferecer um parâmetro avaliativo coerente com o que foi ensinado nas aulas de História e com os objetivos gerais da educação, que esperam que os estudantes adquiram habilidades e competências que façam dele um cidadão. 

Considerações Finais – Como esta pesquisa divulga uma prática pedagógica contínua e que visa alcançar objetivos amplos dentro da educação e do ensino de História, os resultados mensurados junto aos estudantes são iniciais, porém promissores, haja vista de que sua aplicação tem oportunizado a produção de textos autônomos. Observa-se a redução das tentativas de plágios ou compilações. E a participação dos estudantes na socialização de suas produções tem revelado o sentimento de valorização própria e do que cada estudante tem a comunicar. Os resultados desta prática merecem ser avaliados constantemente para que ela possa ser refletida e adaptada a medida das necessidades. 

          Este artigo apresentou uma proposta pedagógica, uma sugestão. É resultado de conhecimentos teóricos obtidos pela pesquisa aliados ao conhecimento empírico da prática docente. O foco principal da construção da proposta pedagógica a qual denominamos Escrita Criativa em História foi otimizar o papel da disciplina histórica nas salas de aula para que os objetivos sejam alcançados de forma plena e não apenas sentir que ao ensinarmos conteúdos e realizarmos um link do passado com o presente efetivamos nosso papel como professores de História. 
            Toda a estrutura de Escrita Criativa em História trabalha para que os estudantes tenham motivação própria, alcancem os objetivos de sua série, aprendam a ler e escrever em História, para aprender a ler e escrever o mundo que os cerca. Que através da escrita tomem posição e saibam usar os diferentes gêneros textuais para expressar o que pensam de maneira criativa e autônoma e que se posicionarem enquanto cidadãos diante das mais variadas situações sociais. 


 Referências Bibliográficas 

BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. 

GUEDES, Paulo Coimbra e SOUZA, Jane Mari. Leitura e escrita são tarefas da escola e não só do professor de português. In: NEVES, Iara C. Bittencourt (org). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. 

HOFFMANN, Jussara. O cenário da avaliação no ensino de ciências, história e geografia. In: JANSSEN, Felipe da Silva; HOFFMANN, Jussara e ESTEBAN, Maria Teresa (orgs). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas em diferentes áreas do currículo. Porto Alegre: Mediação, 2010. 

KNIGHT, George. Mitos na educação adventista: um estudo interpretativo da educação nos escritos de Ellen G. White. Engenheiro Coelho-SP: Unaspress, 2010. 

LEMOV, Doug. Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo - Ed. Boa Prosa: Findação Lemann, 2011. 

 Parâmetros curriculares nacionais : história / Secretaria de Educação Fundamental. . Brasília : MEC /SEF, 1998. 

 Pedagogia Adventista\ Confederação das Uniões Brasileiras da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004. 

SEFFNER, Fernando. Leitura e escrita na História. In: NEVES, Iara C. Bittencourt (org). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. 

 WHITE, Ellen. Conselhos aos pais, professores e estudantes. 5ª ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000.

7 de outubro de 2012

Sinais de Redemocratização e Impeachment

(Texto reflexivo sobre analogia do Professor Nicolau Sevcenko - ver http://www.youtube.com/watch?v=4A_miH1U01A) A analogia do Professor Nicolau Sevcenko é profunda e lida com a esperança humana. Por instinto, sempre esperamos dias melhores. Minha avó recita um ditado que combina com o pensamento de Sevcenko: “não há bem que sempre dure, não há mal que nunca termine”. Um provérbio consolador e, ao mesmo tempo, sublinha a oscilação terrena dos nossos dias marcados pela alegria e a tristeza. No cenário político brasileiro podemos citar muitos momentos em que a guinada para a consolidação de um país democrático e próspero pudesse ser concretizada, no entanto, a trajetória dessas aspirações não se deu de forma retilínea e certeira. Um exemplo, que este mês completa 20 anos no dia 29 de setembro, é a eleição direta de Collor, em 1989, no processo de redemocratização e seu impeachment em setembro de 1992. Os brasileiros, desde o golpe militar de 1964, desabituaram-se forçosamente de comparecer às urnas para eleição presidencial. Militares “linhas-duras” se sucediam no executivo nacional, nos anos de chumbo comunistas, intelectuais, jornalistas e artistas eram mortos e exilados. Com o advento do governo Geisel os primeiros sinais de redemocratização começaram a despontar, ainda que encobertos por intensa névoa que demoraria anos para se dissipar. A eleição indireta de Tancredo Neves e seu falecimento em meados dos anos 80 despertou comoção nacional, a esperança da redemocratização, em parte se esvazia, em outra permanecia com Sarney (embora apoiasse a ditadura militar). Os relatos da minha mãe são contundentes a esse respeito: minha irmã ingressante na pré-escola teve o nome de sua escola mudado para Tancredo Neves em Encantado, RS. Cansada de tantas notícias e tumulto pelo nome da escola, reclamava para minha mãe: "Não aguento mais! Tudo é esse tal de "Tranqueiro"!" Em 1989, anunciam-se as eleições diretas para presidente. Uma vasta lista de candidatos é lançada. O jovem Fernando Collor de Mello é destacado pela imprensa nacional como uma alternativa viável e inovadora para o país. Cria-se o Partido da Reconstrução Nacional para apoia-lo. Altamente educado em comparação com seu principal concorrente, Lula, Collor representava a esperança para a superação brasileira frente ao caos econômico em que o país estava mergulhado. Sua vitória representou o pico da montanha russa. A queda foi breve. O desvio de dinheiro liderado por PC Faria e a família Collor fizeram com que a população saísse as ruas e pedisse o afastamento do presidente. Altos e baixos da história brasileira.

27 de julho de 2012

Nossa Olimpíada: a Vida.

Hoje é um dia especial para o mundo: começam os Jogos Olímpicos em Londres. Que boa oportunidade de nos lembrarmos que estamos em uma grande maratona nessa vida e, tal corrida envolve a todos, cujo destino final é o céu. Vejamos o conselho do grande Deus da Bíblia para nós, no livro de Hebreus: “Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta” (Hebreus 12:1). Talvez alguns de nós não tenhamos uma consciência clara a respeito desse assunto, contudo, a Bíblia nos conta a respeito de uma “corrida”, dessa depende nosso destino final, Deus nos está chamando para sermos vencedores, porém, ELE é o único que pode nos preparar. Ao longo do caminho haverá muitos obstáculos, sem tal preparo será impossível alcançar a vitória e, ao contrário das olimpíadas que ocorrem de tempos em tempos, a corrida da vida só ocorrerá uma única vez para cada um de nós!!! Façamos como Deus nos pede: confiemos nEle. Em Provérbios 16:20 diz que quem confia no Senhor será Feliz – “Quem examina cada questão com cuidado, prospera, e feliz é aquele que confia no Senhor”. No mesmo livro encontramos que tal confiança depositada lhe dará prosperidade, essa em primeira instância é espiritual – “O ganancioso provoca brigas, mas quem confia no Senhor prosperará” (Pv 28:25). Portanto, o Salmista nos afirma: Entrega o seu caminho ao Senhor confia Nele e o mais Ele o fará! (Salmo 37:5) Eduardo Leopoldo e Silva

28 de junho de 2012

A Pedagogia do Período da Conquista do Brasil

Introdução

A Pedagogia que aqui vamos retratar embora datada a pouco mais de 500 anos, remonta uma filosofia milenar e que se estende até nossos dias. É a educação que se desenvolveu entre as tribos indígenas que aqui viviam.
Quando os europeus aqui chegaram estima-se que havia no país entre 5 milhões de nativos, sendo que só na bacia amazônica o número chega a 5.600 habitantes e cerca de 1.300 línguas somente nesta região. Estes índios brasileiros estavam divididos em tribos, de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: tupi-guaranis ( região do litoral ), macro-jê ou tapuias ( região do Planalto Central ), aruaques ( Amazônia ) e caraíbas ( Amazônia ).
Neste ponto, destaca Caleffi: “Assim, não existe ‘o índio’ portador de uma cultura homogênea, mas um mosaico de culturas diferentes entre si e diferentes da do colonizador”. (CALEFFI, pág. 33)
Embora a educação indígena não fosse institucionalizada como a que conhecemos hoje, as formas como ocorre a educação e o que esta compreende são características e peculiares de cada cultura.
Os relatos que nos chegam até hoje são dos “descobridores” (e aqui abrimos um espaço para questionar quem são os verdadeiros descobridores desta terra) carregados de preconceitos e julgamentos sob o ponto de vista da sua própria cultura.
Américo Vespúcio ao relatar sobre uma de suas viagens ao Novo Mundo, descreve em um trecho da carta a Lorenzo de Pietro Medice o seguinte: “Esta terra é povoada de gentes completamente nuas, tanto os homens quanto as mulheres. Trabalhei muito para estudar suas vidas, pois durante 27 dias dormi e vivi em meio a eles. Não tem lei nem fé alguma, vivem de acordo com a natureza e não conhecem a imortalidade da alma. Não possuem nada que lhes seja próprio e tudo entre eles é comum; não tem províncias e reinos, não tem reis e não obedecem a ninguém”. Cristóvão Colombo também dá sua contribuição ao se referir aos índios ao reis católicos: “Estes gentios ignoram completamente a prática das armas. Com cinqüenta homens será fácil subjugá-los e fazermos deles o que quisermos.”
[1]
Ao interpretar estes dois relatos percebemos a que nível os povos ameríndios eram considerados pelos europeus: como primitivos e não civilizados, a mercê de qualquer domínio.
A visão européia não deverá servir de parâmetro para esta pesquisa, pois ela é exclusivista, distorcendo o verdadeiro sentido da educação. Caleffi nos ajuda neste sentido ao dizer que “(...) necessitamos um conceito que entenda educação com um amplo processo não vinculado necessariamente ao um sistema de ensino institucionalizado ou mesmo a existência da língua escrita, mas a educação como o processo de socialização dos indivíduos em uma dada cultura. Todos os elementos e noções que um sujeito apreende e que faz dele membro de uma determinada comunidade constitui um processo educativo. Aquilo que aprendemos de nossos pais, parentes e do grupo no qual vivemos, a forma herdada, cotidianamente reinventada de compreensão de um cosmos” (CALEFFI, pág. 32).
Cultura e educação são entendidas como processos inseparáveis, sendo assim impossível desvincular o estudo da cultura indígena de suas práticas educacionais. Desta forma, o objetivo deste trabalho é realizar um estudo da educação indígena em sua amplitude.


A Primeira Pedagogia do Brasil no Período da Conquista pelos Portugueses

A Educação no Contexto Indígena

O índio brasileiro por ocasião da chegada dos portugueses, ainda vivia na época do mito. Embora Tupã fosse seu principal deus, sua religião tinha espaço para adoração de vários outros.
Sua arte era primitiva, extraindo de algumas plantas cores fortes para a ornamentação. O índio era sadio, guerreiro e exímio em caça e pesca. As relações familiares traduziam a felicidade que viviam em seu universo. No mundo adulto permanecia o domínio da imaginação no lugar da inteligência.
“A educação indígena era eminentemente empírica, consistindo, antes de mais nada, em transmitir através das gerações uma tradição codificada. A escola era o lar e o mato; muito mais importantes as lições do exemplo que as das palavras. (...) muito mais empíricas do que científicas, muito mais físicas do que intelectualizadas, modeladoras do homem para capacitá-lo a enfrentar muito mais a vida prática e concreta do que determinada profissão, própria e típica da sociedade e cultura evoluídas”. (TOBIAS, pág. 26)
A seguir vamos analisar algumas aspectos da cultura indígena que envolvem a educação.

Religião/ Mitos

Através das histórias contadas de geração em geração que as culturas de tradição oral conseguem transmitir as novas gerações, as normas de conduta e os mitos (que são as verdades absolutas dos fundadores daquela cultura, portanto são inquestionáveis).
Conforme a citação de Caleffi:
“As normas de conduta social, bem como tudo o que um sujeito necessita saber para fazer parte de uma comunidade de tradição oral, encontram-se presentes nos mitos das culturas destas comunidades, nas histórias sagradas. Os mitos são as histórias exemplares vividas pelos ancestrais e pelos heróis civilizadores em um tempo considerado pré-humano, e contêm todos os ensinamentos necessários que um indivíduo tem que saber para pertencer a uma determinada cultura...” (CALEFFI, pág. 39).
Todos sabem contar estes mitos, e ao fazê-lo estão reafirmando e renovando sua cultura. A memória destes povos é mantida e através dela que a cultura permanece.
Estas histórias são contadas conforme a idade do indivíduo, sua maturidade, sexo e elas lhe dizem respeito dos afazeres e responsabilidades da vida.

Aprender = imitar

Nas comunidades indígenas uma das principais formas de aprendizagem é através da imitação. É imitando os adultos que os pequenos índios aprendem a caçar, a pescar, a ter cuidado com as plantas, etc. Nestes momentos onde as crianças imitam os adultos, propiciam oportunidades para brincar e escutar os ensinamentos dos mais velhos também.
As crianças não são castigadas e são tratadas pacientemente pelos adultos, que respeitam seus enganos infantis e ritmo próprio.
É através desta educação que a criança toma conhecimento dos mitos dos ancestrais, desenvolve aguda percepção do mundo e aperfeiçoa suas habilidades.

Sociedade

A sociedade indígena é fundamentada por laços de parentescos. O individuo se encontra totalmente inserido na comunidade, onde aprende seus deveres e diretos. As comunidades são estabelecidas por graus de parentesco e casamentos.
Estas sociedades apresentam um modo de produção inverso ao capitalismo sanguinário que conhecemos; trabalham apenas para viver.
A divisão do trabalho é feita por sexo e maturidade. Trabalham apenas para satisfazerem suas necessidades diárias. Alcançadas, cessam o trabalho.
Não colhiam mais que necessitavam e não pescavam além do necessário. Toda a sua subsistência era proveniente da natureza. Se, por ventura, houve algum tipo de excedente, a medida a se tomada era confraternização. Desta forma, estendiam-se mais alianças. Esse ato exprime a noção de que não possuíam bens próprios.
As técnicas utilizadas eram simples porque correspondiam a uma produção pequena, voltada para a agricultura de subsistência. Para plantar mandioca, por exemplo, cavavam o chão com algum objeto pontiagudo feito de madeira e enfiavam a rama. Depois de algum tempo arrancavam a mandioca e a transformavam em farinha, por um processo também muito simples. O mesmo se pode dizer da preparação do peixe e da caça que eram levemente assados em fogo brando.
A sociedade indígena possui lideres que eram escolhidos de acordo com a necessidade coletiva. Ele deveria ser generoso, pois assim promoveria a reciprocidade, ato de se alternarem na compartilha de alimentos e assim se socializarem; deveria ter a capacidade de oratória, pois assim ele poderia repetir elementos importantes da cultura e ter coragem para garantir a continuidade do grupo.
A relação de poder existe, mas de modo diferencial. A liderança pode ter um conhecimento mais especifico, de forma privilegiada, mas todos, de acordo com o sexo e maturidade, possuem o mesmo conhecimento. Por exemplo, todas as mulheres sabem fazer cerâmica, se esta fizer parte das atividades femininas na respectiva cultura. “Assim, não vamos encontrar um único professor nas sociedades de parentesco, mas tantos professores quantos sujeitos compuserem a comunidade, o que significa que ninguém possui um status de professor que o diferencie do corpo social. A educação, principalmente das crianças, é assumida pela comunidade como um todo”. (CALEFFI, pág. 38).

Deixando de ser criança

Quando atinge os 13 os 14 anos, o jovem passa por um teste e uma cerimônia para ingressar na vida adulta.
Em algumas tribos brasileiras, os meninos são iniciados na vida adulta através de uma cerimônia, na qual colocam uma luva cheia de formigas venenosas. Este deverá entrar pelas matas e procurar o remédio. Se não conseguir vencer esta etapa os mais velhos lhe tratam, mas não será considerado adulto.
As meninas que começam a ter menstruações são reunidas em uma cerimônia anual e são embebedadas e tem seus cabelos arrancados.


Conclusão

Para nós, os chamados brancos e civilizados, é difícil compreender e para muitos aceitar as práticas indígenas que se reproduzem ainda hoje.
Como entender uma sociedade sem um Estado institucionalizado, sem lucro nem luxo? Como aceitar o fato que produzem apenas o necessário para a sobrevivência, sem ambição, sonhos materiais?
Os nossos padrões sociais ditam regras que não nos permitem ver além das imposições da elite. Não enxergamos a beleza da convivência em grupo, da compartilha dos bens, na educação que prepara para a vida simples, mas feliz.
Os rotulamos como preguiçosos e primitivos. Sem entender que são satisfeitos e com uma cultura própria. Anulamos a história que esse povo nos legou, sem pensar que se alguns de seus valores fizessem parte da nossa educação, certamente o Brasil seria mais ético, solidário.
Porem, isso não significa que seja tarde para olharmos para o outro como alguém faz parte da minha “tribo” e que pode receber dos meus alimentos excedentes em uma confraternização de caráter recíproco.

[1] Retirado do site: http://www.vidaslusofonas.pt/

Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia. 3ª edição. Editora Moderna. São Paulo, 2006.
STEPHANA, Maria. BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação no Brasil – século XVI – XVIII. Volume 1. Editora Vozes. Petrópolis – Rio de Janeiro, 2004.
TOBIAS, José Antônio. História da Educação Brasileira. 4ª edição. Editora Ibrasa. São Paulo, 1985. 350 páginas
www.suapesquisa.com.br

17 de janeiro de 2012

O saber de segunda mão...

De uns tempos para cá tenho passado por situações que me fazem refletir sobre como é vital encontrar o conhecimento em fontes seguras. Tenho me deparado com pessoas que constroem sua filosofia de vida, conduzem seus preceitos de saúde, assuntos jurídicos e tudo o mais com base no “diz que me disse” e em mensagens eletrônicas “bem intencionadas” que circulam na rede.

Só dois exemplos: no Facebook circulou uma mensagem que o Aleandre Garcia fora demitido pela Rede Globo depois de uma severa crítica feita ao governo PT (e um vídeo You Tube vinha acompanhando a manchete). A publicação fechava ainda com um comentário falando acerca da censura do governo petista. Quando li isso lembrei ter visto um programa do Alexandre Garcia no dia anterior na Globo News. De tão pasma, fiz questão de entrar na página da Globo News e conferir se o programa Espaço Aberto ainda estava no ar. Ufa, lá estava ele. Recentemente também recebi uma mensagem virtual informando sobre o novo prazo de vencimento da CNH. O conteúdo alertava que a partir de maio de 2011 quem não renovasse a carteira em um mês teria que passar por todo o processo novamente. Bom, isso tem muito jeito de político brasileiro, mas estava justamente passando pelo processo de renovação da minha habilitação e por algumas questões não conseguira fazer no prazo de um mês e não sofri nenhuma penalidade por isso. Aliás, não utilizei nem despachante, fui diretamente ao Ciretran e renovei minha carteira por muito menos que o despachante me cobrara.

São exemplos bobos, mas que acabam sendo repassados por pessoas idôneas. Informações que circulam no meio eletrônico, outras que são transmitidas de geração em geração, na boca de vizinhos e ninguém sabe dizer de onde surgiram. E aí, criticamos o que não deveríamos criticar, agimos do modo que não deveríamos, organizamos mal nosso cardápio, não distinguimos propaganda dos quesitos que realmente devemos elencar como prioritários, elegemos quem não administrará adequadamente a coisa pública e assim por diante. Claro que não é fácil estar bem informado a respeito de tudo, mas vai a dica: os advogados não atualizam seus conhecimentos sobre leis lendo emails, estudam diretamente a Constituição. Existe sempre a fonte adequada para descobrirmos. Esse mal de historiador e de qualquer pesquisador sério, de se preocupar com a validade das fontes de pesquisa, podia se tornar uma epidemia.

Temo por este tipo de informação circulante:é geradora de mitos, formadora de ideias, perniciosa, caluniosa. Nosso crivo sobre a confiabilidade e a intenção das coisas precisa ser mais refinado. E é dessa gama de informações descabidas, de sinapses realizadas por caminhos controversos que a ignorância impera e constrói discursos. O discurso de que o sujeito crítico é aquele de que nada está bom, que não preciso aprender matemática, que petista é x e tucano é z e mais uma infinidade de assuntos... E mais: nos tornamos juízes com olhares míopes.

Liege de O. Leopoldo e Silva

11 de março de 2011

Análise de Revistas de História - Revista de História da Biblioteca Nacional e Aventuras da História

Por Liege de O. Leopoldo e Silva

Num estudo coordenado pela professora Dra. Raquel Glezer ela informa que o mercado de revistas de conhecimento com teor histórico tem aumentado consideravelmente desde 2003. Nesta publicação constata-se ainda que periódicos como Aventuras da História (AH) da Editora Abril, líder do gênero, têm como maior parte do público na chamada classe B.
Em 2006, o leitor brasileiro passou a encontrar nas bancas um periódico elaborado pela Biblioteca Nacional, a Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN). Com temas voltados para a história brasileira ela diferencia-se em sua abordagem da revista Aventuras da História.
Para uma breve análise comparativa entre os dois periódicos, será utilizado um exemplar de cada revista. Os exemplares de Aventuras da História e da Revista de História da Biblioteca Nacional utilizados neste são de 2009 e 2007, respectivamente.
Em ambas o assunto de destaque da capa são referentes à Segunda Guerra Mundial. Na revista AH a temática gira em torna da Igreja e Nazismo, questionando se o Papa Pio XII foi omisso ou prudente diante das atrocidades de Adolf Hitler. A imagem da capa, em arte digital, aparece o Papa Pio XII e por trás dele, Hitler. Na RHBN encontramos a chamada “Por que o nazismo não deu certo no Brasil”. Uma fotografia de Genevieve Naylor onde flagra na Praça Mauá em 1942, um grupo de estudantes em apoio à entrada do Brasil na Guerra. Em destaque, estudantes fantasiados de Hitler.
No artigo de capa da AH, intitulado Bendito ou maldito? , o jornalista Eduardo Szklarz cita em seu artigo vários historiadores e jornalistas que escreveram sobre a conduta de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial e conclui que é difícil determinar se Pio XII ajudou os judeus ou se apoiou Hitler. As imagens que compõem a matéria são dos personagens em questão (Pio XII e Hitler) e de outros homens citados na matéria. Contém a imagem de um documento histórico, um passaporte falso do nazista Adolf Eichman.
Na RHBN um dossiê sobre o assunto se estende das páginas 18 a 46. Assuntos como a participação da UNE, o partido nazista brasileiro, o facismo verde-amarelo, a nipofobia, como o cinema foi usado por Getúlio e Mussolini , anti-semitismo pelos dirigentes do Estado e espião brasileiro na guerra são tratados no dossiê. Todos os autores dos textos são doutores, doutorandos ou historiadores ligados à Universidades ou departamentos de pesquisa. As imagens que compõem os artigos são todas imagens históricas do tema abordado.
Nesta pequena comparação pode-se concluir que o caráter das revistas analisadas difere-se bastante. A AH é voltado ao público em geral, sua linguagem é jornalística e os assuntos são tratados de forma mais genérica e factual. Na RHBN observa-se que seus textos refletem as pesquisas acadêmicas desenvolvidas no Brasil, escritas por profissionais da área.

Notas:

GLEZER, Raquel. A história em bancas de jornal. Publicação eventual do Departamento de História/FFLCH/USP, 2005.
Aventuras da História. Vol. 67, Editora Abril, fevereiro de 2009.
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2, nº 20, Sociedade dos Amigos da Biblioteca Nacional, maio de 2007.
A fotógrafa Genevive Naylor veio ao Brasil em 1940. Era funcionária do departamento do governo americano Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, órgão criado para garantir a solidariedade latino-amaricana para a causa liberal diante da expansão nazi-facista.
SZKLARZ, Eduardo. “Bendito ou maldito?”, Aventuras da História. Vol. 67, Editora Abril, fevereiro de 2009, pp. 30 – 37.