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5 de junho de 2010

Por trás de tudo...

Por Liege de Oliveira

Desde a infância ouvimos nos noticiários (ou, da boca de nossos próprios professores) que a greve viria. O magistério não é a única classe que se organiza para tal: bancários, motoristas, metalúrgicos, servidores públicos e outros mais tem encabeçado a fileira dos descontentados com o holerite.

Neste mês de março, novamente foi a vez dos professores do Estado de São Paulo se unirem para contestarem algumas velhas práticas do governo e exigirem condições mais favoráveis de trabalhos e construção de um plano de carreira.

A greve, porém, não é uma invenção da última metade do século XX, ela já nos acompanha desde o século XIX. No texto abaixo, Luciano Oliveira, professor da UFPE faz um rápido histórico de como os operários passaram a utilizar este recurso em suas lutas por melhores condições trabalhistas.

Texto I – Uma brevíssima história da Greve

(...)

A palavra greve tem também um percurso interessante. No início ela significava simplesmente um tipo de arbusto existente nas margens do rio Sena, em Paris. Em francês, grève. Num terreno contíguo a uma dessas margens, formou-se uma praça, que veio a ser designada como Place de Grève. A praça tornou-se um local onde se juntavam trabalhadores sem emprego em busca de alguma ocupação. Quando os parisienses precisavam de algum trabalhador, iam lá atrás dessa mão-de-obra. Daí surgiram expressões como "ir a greve" (aller en grève), "estar em greve" (être en grève) e outros correlatos, para designar o trabalhador que, sem trabalho, lá ficava de braços cruzados sem ter o que fazer.

Tudo isso é muito antigo, remontando á época medieval, e a praça tem uma longa e até tenebrosa história. Basta dizer em que entre o século XV e finais do século XVIII serviu de palco para as execuções capitais, que na época eram públicas e, não raro, atrozes. Em 1806, mudou o nome para Place de l´Hôtel de Ville, porque ali se edificou o que ainda hoje é um dos mais belos prédios de Paris, a prefeitura da cidade. Mas a palavra grève não desapareceu, continuou sendo utilizada com um novo sentido, ainda que guardando algo do significado anterior: a atitude de estar de braços cruzados.

Já era o século XIX e o movimento operário tinha surgido. Eram tempos duros, aqueles. Completamente desregulado, o capitalismo submetia os trabalhadores a uma exploração tão brutal que o revolucionário Engels, no livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, observou (bem antes de Gilberto Freyre, autor de idêntica observação...) que as condições de vida dos escravos nas Américas eram mais amenas do que aquelas dos assalariados europeus na época da revolução industrial. Nessas condições, vez por outra os trabalhadores cruzavam os braços e se recusavam a trabalhar, exigindo melhorias na sua condição. Recuperando o antigo termo, começou-se a dizer que eles estavam en grève... E foi assim que surgiu a greve.

Nesse tempo, cruzar os braços não era nenhum piquenique. A brutalidade dos patrões e da polícia não se fazia de rogada. Numa época em que o Estado não fazia nenhuma questão de desmentir a acusação marxista de ser o "comitê executivo da burguesia", a repressão se fazia de forma escancarada. Prisões, demissões, espancamentos, "listas negras", deportações - esse foi o lote de provações que o movimento operário nascente teve de enfrentar no duro trabalho de parto que foi o seu. Basta lembrar que só em 1884 uma lei francesa autorizou os trabalhadores a constituírem sindicatos. Antes disso, qualquer tentativa de organização da classe era considerada um atentado à "liberdade do trabalho", e, portanto duramente reprimida.

Fonte: http://www.lainsignia.org/2008/marzo/soc_005.htm . Luciano Oliveira. Retirado do site no dia 28/03/2010

No Brasil, estas manifestações trabalhistas começaram a ocorrer no início do século XX. São Paulo, em 1917, estreou a primeira grande greve no país. Atente ao texto II:

Texto II – São Paulo, 1917: A Primeira grande greve brasileira
(...)

A primeiro grande movimento grevista da história sindical no Brasil que paralisou a cidade de São Paulo em 1917, iniciou-se com greves localizadas em fábricas têxteis, ainda no mês de junho nos bairros da Moóca e do Ipiranga. Os líderes grevistas reivindicavam melhores salários e melhores condições de trabalho, além da exigência de supressão da contribuição "pró-pátria" (campanha de apoio financeiro à Itália, desenvolvida pela burguesia imigrante de São Paulo, chegando até a fazer descontos dos salários dos trabalhadores, como foi o caso do Cortonifício Crespi).

As manifestações de rua foram duramente reprimidas pela polícia, culminando com o assassinato do sapateiro anarquista Antonio Martínez. Durante um mês a cidade de São Paulo viveu a agitação dos comitês de greves, que apesar de mostrar uma considerável capacidade de mobilização do operariado, não serviram para sensibilizar o Estado.

Ao longo de toda República Velha (1889-1930) os governos oligárquicos tratavam a questão social como "caso de polícia", preferindo assim, adotar medidas arbitrárias, como espancamento e prisão das lideranças grevistas e expulsão dos estrangeiros do país.
Apesar da forte repressão, o movimento grevista liderado pelo sindicalismo de inspiração anarquista e com a participação maciça de imigrantes italianos e espanhóis, estendeu-se praticamente até 1919 para várias regiões do território brasileiro.

Se por um lado as greves não alcançaram seus objetivos mais imediatos, certamente contribuíram para promover debates no meio operário sobre os rumos do movimento sindical.
Colocando em crise a ideologia anarquista, as greves de 1917 foram decisivas para o crescente avanço dos ideais socialistas, e para formação do Centro Comunista do Rio de Janeiro em 1921, que antecedeu a fundação do Partido Comunista Brasileiro no ano seguinte.

No cenário internacional, a transição do anarquismo para o socialismo é consolidada sobretudo, após a vitoriosa Revolução Bolchevista na Rússia, que inaugurou o primeiro Estado socialista da História sob o comando de Lênin. O líder revolucionário assumia o poder em novembro de 1917, após comandar, no exílio, a corrente bolchevista dos socialistas russos. É nesse contexto que cresce a influência da doutrina socialista no meio operário, contribuindo para uma ampla difusão do marxismo pelo mundo, até o final dos anos 80 que assinalam a crise do socialismo stalinista.

Fonte: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=55 . Retirado do site no dia 28/03/2010

Funeral de Martínez. Fonte: Wikipédia

Algumas considerações

A exploração da classe dominante sempre foi a mola propulsora das manifestações trabalhistas. Historicamente temos presenciado uma injusta distribuição de renda, fazendo de uns ricos às custas da miséria da maioria.

A luta da classe explorada é justa. “O trabalhador é digno do seu salário” (Lucas 10:7), esta foi uma máxima de Jesus. Todos possuem o direito de trabalhar e receber um salário digno que lhes possibilite o sustento. Este quadro, contudo, é muito mais antigo que o surgimento do capitalismo e da industrialização. Nos tempos bíblicos, como, por exemplo, nos tempos de José, os judeus já sofriam com a dura exploração dos egípcios.

Só que nem só de justas reivindicações constitui-se uma greve. Edward Carr já nos adverte em sua o obra, O que é História?, sobre a possibilidade de manipularmos fatos verdadeiros para embasarmos e defendermos a visão que pretendemos legitimar.

É notório que em anos de eleições a luta partidária instaura-se de forma mais agressiva entre a população, e, em greves como a da classe dos professores, categoria tão próxima do povo, percebe-se uma significativa sensibilização de todos em prol dos professores. Se há mocinhos, há vilões. E, na caça aos culpados, não considera-se que o indivíduo que está no governo não é totalmente culpado por anos de descaso na educação (o que, de forma alguma, o isenta de ter melhorado as condições nos quatro de exercício da gestão pública).

Isso é facilmente demonstrado pelas acusações da Apeoesp ao Governo Serra no site institucional do sindicato, como mostrado na reprodução abaixo:



A Apeoesp é filiada à CUT e a CNTE, típicas entidades da esquerda brasileira. Não procuro isentar José Serra pelas condições precárias de trabalho e pisos salariais do magistério, mas, a clara intenção socialista se manifesta neste tipo de atitude. O próprio presidente da Apeoesp, Carlos Ramiro de Castro, sem muitos apontamentos biográficos na rede, nos possibilita traçar seu perfil marxista. Em um site encontramos o seguinte artigo:

Texto III - Cuba, os trabalhadores e o socialismo

Por Carlos Ramiro de Castro

Como ex-aluno da Escola Sindical Lázaro Peña, fui convidado para o encontro em homenagem ao combativo lutador em Havana, participando ao lado de dirigentes sindicais de 153 países das comemorações dos 70 anos da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), do ato de solidariedade à Ilha Caribenha e do gigantesco 1º de Maio na Praça da Revolução.

O que mais me impressionou foi ver em todos os locais por onde passei o contentamento do povo cubano, sua alegria com o desenvolvimento - econômico e social - que o país vem tendo no último período. A vibração contrasta com as imensas dificuldades enfrentadas durante o período especial nos anos 90, após o desaparecimento da União Soviética, que potencializou os problemas impostos pelo criminoso bloqueio norte-americano, que impede até mesmo a chegada de medicamentos.

Estive na Ilha durante aquele período e, confesso, sai bastante temeroso sobre o seu futuro, diante do agravamento das condições de vida imposto pela falta generalizada de produtos, antes comercializados de forma mais equitativa com os países do bloco socialista via CAME (Conselho de Ajuda Mútua Econômica). Realmente, pelo tamanho dos problemas, acredito que outro povo não teria resistido a tamanha pressão e teria sucumbido.

Felizmente, aqueles dias são hoje uma página virada, um obstáculo ultrapassado. Tal superação fortaleceu ainda mais a firmeza do povo cubano, sua crença na afirmação dos princípios e valores da sua revolução, que segue adiante.

Hoje, quando a crise internacional do capitalismo multiplica demissões e a deterioração das condições de vida e trabalho de centenas de milhões de pessoas pelo mundo todo, Cuba se mantém firme, consolidando o socialismo e os mais caros valores da Humanidade: a solidariedade, o desprendimento, a consciência, a crença na capacidade dos trabalhadores e construírem um mundo melhor.

Na capital, vi uma cidade em obras, com bairros residenciais sendo recuperados, com gente bonita e bem vestida, confiante, contrastando com a desesperança e a dura realidade vivida hoje no centro do capitalismo.

Coincidentemente, estava sendo realizada em Havana a Conferência dos Países Não-Alinhados, em que falou mais alto a unidade na diversidade contra a política neoliberal, com a afirmação da necessidade de uma Nova Ordem Internacional e de relações mais humanas de convivência. Particularmente entre os latino-americanos, ficou clara a identidade de propostas e linhas de ação dos distintos governos de esquerda, que têm se pautado por construir uma agenda alternativa de afirmação da soberania nacional, contra a herança dos seguidores do Consenso de Washington: privatista, de exclusão, arrocho e desemprego.

Do ponto de vista do movimento sindical, reforçamos nesses dias de intenso e caloroso convívio, o compromisso com a luta pela unidade dos movimentos sociais, partidos e governos de esquerda de afirmar saídas reais para a crise, condenando as novas roupagens com que o capitalismo usa para manter velhas práticas. Nossa ação contempla o fortalecimento e a democratização do Estado, o combate à exploração e às injustiças, o protagonismo da classe para a construção de um novo mundo.

Posso dizer que os dias de visita me renovaram, fortalecendo ainda mais minha convicção na necessidade de priorizarmos a formação política e ideológica dos nossos dirigentes e militantes, para que não só sepultemos o atual modelo de exploração, como construamos, com participação, garra e consciência, o caminho para o socialismo. Afinal, como dizem os cubanos, “uma vida humana vale mais do que todas as propriedades privadas do mundo”.

Fonte: http://www.agenciasindical.com.br/Boletim%20eletr%F4nico/BE%20110509.html . Retirado no dia 28/03/2010. Texto publicado no dia 11 de maio de 2009.

O texto, praticamente um ode de louvor ao regime cubano, transparece o desejo de implantação de um governo socialista no Brasil. E o caminho para tal é começar pelo desgaste da imagem dos políticos de direita.

Por tudo isso, não revogo minha crença que o trabalhador é digno de seu salário e que o salário também deve ser digno do trabalhador. O trabalhador deve impor-se de alguma forma para garantir seus direitos. Por outro lado, como servidora pública, não me engajo em lutas reforçadoras do marxismo, do socialismo. São roupagens de cordeiro, mas, que na prática, não asseguram a verdadeira liberdade humana.

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