Ao analisarmos as manifestações de resistência e infração das classes populares e as formas de repressão e confinamento presentes de 1808 a 1840 é necessário antes levar em consideração os trezentos anos de legislação lusitana praticada em nosso país, que certamente permeou a cultura do direito brasileiro. Ao mesmo tempo, não podemos considerar as práticas posteriores à independência como mera continuidade ou conseqüência das legislações vigentes na época colonial, pois foram, também, fortemente influenciadas pelas idéias do direito moderno.
As Ordenações constituíram o aparato jurídico dos tempos coloniais. Elas eram conhecidas, segundo Mozart Linhares da Silva (1997), pela sagacidade com que lidavam com as demandas criminais, como exemplifica: “Não raro as penas capitais eram precedidas de suplícios: o réu tinha suas mãos e braços amarrados, podia ser esquartejado ou torturado por dias na roda” (p.82). Característica marcante das Ordenações, além da brutalidade das penas, era “a obsessividade com questões sexuais e extravagantes (...) o que indica a insuficiente separação das questões religiosas e morais” (p.80). O próprio fato de crimes religiosos serem punidos pelo Estado, também testificam desta estreita relação. Tal conjunto de normas apresentava claro desequilíbrio entre o crime cometido e a pena pela prática do mesmo, correção observada com a criação do Código Penal de 1830, que as vésperas da abdicação e do Período Regencial vieram substituí-las.
Durante o Período Joanino e o Primeiro Reinado as Ordenações continuaram tendo validade, porém significativas mudanças ocorreram no que se refere às medidas para a manutenção da ordem pública a partir da vinda da família real portuguesa - que ao pisar em solo brasileiro deparou-se, como afirma Holloway, “com uma população hostil e perigosa e com o espaço público da cidade ocupado por escravos africanos como nunca tinham visto em sua pátria” (1997, p.41).
Entre estas medidas está a criação de uma Intendência Geral de Polícia, e da Guarda Real de Polícia, que procurou manter sobre controle a população do Rio de Janeiro e posteriormente das capitais das principais províncias, que também receberam seu aparato repressor. Sobre os objetivos da polícia, Holloway explica que
O inimigo da polícia do Rio de Janeiro era a própria sociedade – não a sociedade como um todo, mas os que violavam as regras de comportamento estabelecidas pela elite política que criou a polícia e dirigia sua ação. Pode-se ver esse exercício de concentração de força como defensivo, visando proteger as pessoas que fizeram as regras, possuíam propriedade e controlavam instituições públicas que precisavam ser defendidas. Mas também se pode vê-lo como ofensivo visando a controlar o território social e geográfico – o espaço público da cidade -, subjugando os escravos, reprimindo as classes inferiores livres pela intimidação, exclusão ou subordinação, conforme a circunstâncias exigissem (...) o objetivo aqui não era exterminar ou eliminar o adversário. A meta era reprimir e subjugar, manter um nível aceitável de ordem tranqüilidade que possibilitasse o funcionamento da cidade no interesse da classe que elaborou as regras e criou a polícia para fazê-las cumprir. (1997, p. 50).
As Ordenações constituíram o aparato jurídico dos tempos coloniais. Elas eram conhecidas, segundo Mozart Linhares da Silva (1997), pela sagacidade com que lidavam com as demandas criminais, como exemplifica: “Não raro as penas capitais eram precedidas de suplícios: o réu tinha suas mãos e braços amarrados, podia ser esquartejado ou torturado por dias na roda” (p.82). Característica marcante das Ordenações, além da brutalidade das penas, era “a obsessividade com questões sexuais e extravagantes (...) o que indica a insuficiente separação das questões religiosas e morais” (p.80). O próprio fato de crimes religiosos serem punidos pelo Estado, também testificam desta estreita relação. Tal conjunto de normas apresentava claro desequilíbrio entre o crime cometido e a pena pela prática do mesmo, correção observada com a criação do Código Penal de 1830, que as vésperas da abdicação e do Período Regencial vieram substituí-las.
Durante o Período Joanino e o Primeiro Reinado as Ordenações continuaram tendo validade, porém significativas mudanças ocorreram no que se refere às medidas para a manutenção da ordem pública a partir da vinda da família real portuguesa - que ao pisar em solo brasileiro deparou-se, como afirma Holloway, “com uma população hostil e perigosa e com o espaço público da cidade ocupado por escravos africanos como nunca tinham visto em sua pátria” (1997, p.41).
Entre estas medidas está a criação de uma Intendência Geral de Polícia, e da Guarda Real de Polícia, que procurou manter sobre controle a população do Rio de Janeiro e posteriormente das capitais das principais províncias, que também receberam seu aparato repressor. Sobre os objetivos da polícia, Holloway explica que
O inimigo da polícia do Rio de Janeiro era a própria sociedade – não a sociedade como um todo, mas os que violavam as regras de comportamento estabelecidas pela elite política que criou a polícia e dirigia sua ação. Pode-se ver esse exercício de concentração de força como defensivo, visando proteger as pessoas que fizeram as regras, possuíam propriedade e controlavam instituições públicas que precisavam ser defendidas. Mas também se pode vê-lo como ofensivo visando a controlar o território social e geográfico – o espaço público da cidade -, subjugando os escravos, reprimindo as classes inferiores livres pela intimidação, exclusão ou subordinação, conforme a circunstâncias exigissem (...) o objetivo aqui não era exterminar ou eliminar o adversário. A meta era reprimir e subjugar, manter um nível aceitável de ordem tranqüilidade que possibilitasse o funcionamento da cidade no interesse da classe que elaborou as regras e criou a polícia para fazê-las cumprir. (1997, p. 50).
Entre as principais preocupações da polícia estavam os bandos de capoeira, escravos fugitivos ou que se negassem ao trabalho, furtos e o desrespeito ao toque de recolher. O mesmo autor explica que, durante o Período Joanino, entre os critérios para a perseguição ou não de um suspeito, além do flagrante, seria a cor negra dessa pessoa, procedimento que se estende ao longo dos anos. E como sustentam os registros raramente uma pessoa branca ou mesmo, não escrava era presa. Linhares da Silva sugere que “o negro vai se tornar o criminosos nato brasileiro”. (1997, p.97). Nota-se que com a extinção do ofício de capitão-do-mato, o controle dos escravos tornou-se uma tarefa compartilhada entre os senhores e o poder estatal.
A introdução de uma Intendência Geral representou assim, uma rudimentar e elitista reforma policial, que precedeu a reforma carcerária, já que as condições de confinamento dos desajustados continuavam sendo depósitos insalubres.
As ambigüidades do governo de D. Pedro foram sentidas também em terreno jurídico. Uma de suas primeiras medidas, ainda como Príncipe regente, foi a promulgação de um decreto que proibia prisão sem flagrante delito ou mandato judicial, ainda estabelecia que não se usasse a punição ou tortura como penalidade e que a prisão só seria para aqueles que fossem devidamente julgados e condenados. Assim, presos por capoeira, porte de armas ou acusados de desordem seriam libertos sem punição. Porém, durante o Período do Primeiro Reinado, se reintroduziu a punição física como penalidade. Ao fim do governo de D. Pedro I, em 1830, substituindo as antigas Ordenações, o Código Penal de 1830, admiravelmente amplo e conexo com a sua época, veio abrir a “questão da reforma prisional brasileira. Ao propor a construção de casas correcionais coloca em discussão os sistemas que poderiam ser adotados nas prisões do reino” ( SILVA, 1997, p. 102).
Exemplo desta preocupação com a reforma prisional foi a criação da Casa de Correção do Rio de Janeiro – obra que teve início no período regencial e concluída pelo governo Imperial – que apresentava dois vieses de trabalho: o correcional e o criminal. Para o correcional eram encaminhados os menores, vadios e mendigos; a metodologia aplicada era a condução destes para o aprendizado de um ofício. Ao viés criminal eram encaminhados os homens livres sentenciados, que além do confinamento, prestariam trabalhos e freqüentariam as mesmas oficinas de correção, pretendendo regenerar os sujeitos para seu retorno a convivência com a comunidade.
Assim, a constante preocupação da sociedade era a construção da civilidade, a manutenção da ordem e da tranqüilidade, neste contexto as reformas policiais e os sistemas penitenciários eram de suma importância para assegurar que estes objetivos fossem atingidos.
Bibliografia:
SILVA, Mozart Linhares Da. Do imperio da lei as grades da cidade. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997, p. 65 a 110.
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século xix. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 19 a 71.
SANT’ANNA, Marilene Antunes. A casa de correção do Rio de Janeiro: projetos reformadores e as condições da realidade carcerária no Brasil do século XIX.
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