A América espanhola viveu uma intensa mestiçagem cultural e biológica durante toda a sua fase colonial, de modo que ao chegar ao que Schwartz e Lockhart (2002) chamam de “período colonial maduro” esta maciça mistura veio a transformar os quadros da sociedade.
Depois de muitos anos ocupando cargos secundários, os mestiços passaram a ser maioria e a desempenhadas funções antes reservados apenas aos grupos étnicos primários. Também a diferença entre peninsulares e espanhóis nascidos no local já não eram relevantes como antes - embora rivalidades a nível pessoal certamente tenham existido - pois “estavam tão intimamente inter-relacionados por sangue, casamento ou função que formavam um único setor e tinham a mesma designação” (SCHWARTZ; LOKHART, 2002, p.372). Os espanhóis nascidos no local, aos poucos, foram assumindo cargos antes reservados apenas aos peninsulares, seja na Igreja, na economia, na administração pública ou na vida intelectual. Deste modo, no período colonial maduro os peninsulares ocupavam somente os cargos no plano internacional, como a figura do vice-rei, arcebispos e alguns juízes. Num momento em que a sociedade colonial estava tão desenvolvida, até mesmo estes funcionários construíram estreitos laços sociais e econômicos tornando-se como um dos locais.
Foi neste complexo contexto, de uma América madura, que as Reformas Bourbônicas (século XVIII) foram implementadas na hispano-américa. As Reformas Bourbônicas constituíram-se em medidas administrativas e econômicas, impostas pelo sistema colonial espanhol que procurava à modernização e a “recolonização” dos seus territórios no Novo Mundo. No intento de resgatar o poder perdido para as elites crioulas, o governo da Espanha criou cargos administrativos e legou-os a peninsulares, “ligados aos funcionários europeus que deram início às mudanças”. (SCHWARTZ; LOKHART, 2002, p.379). Em seu conjunto as Reformas Bourbônicas foram também, precipitadas pela necessidade da Espanha, fragilizada pela Guerra dos Sete Anos, de reafirmar o pacto colonial, por isso implantou medidas como o “livre comércio” que de fato representava uma grande falácia, pois, embora mais portos estivessem abertos para a circulação de mercadorias, as transações continuavam restritas a colônia e sua metrópole.
Durante o mesmo período colonial maduro a América espanhola, imbuída das tendências intelectuais iluministas, criou sociedades intelectuais, grupos de discussão hispano-americanos. Eles estudavam cientificamente a sua região, sempre atentos às aplicações práticas do conhecimento, para aperfeiçoamento da vida local. É bem verdade que o iluminismo colocou os estrangeiros em evidência, mas nem por isso o regionalismo sofreu retrocesso, pois os hispano-americanos sabiam como desviar para sua própria direção o Iluminismo europeu. Embora às vezes dedicassem algum tempo à astronomia ou à matemática, praticamente toda a sua atividade e seus textos relacionavam-se com o exame de algum aspecto do próprio cenário local (SCHWARTZ; LOKHART, 2002, p.399).
Assim, o Iluminismo, como afirmam Schwartz e Lokhart, “deu apenas cor e ímpeto a um novo estudo e afirmação de si mesma da América espanhola” (2002, p.400). Os territórios espanhóis na América encontravam-se agora amadurecidos e seguros para administrar suas terras, não sentiam mais este pertencimento à metrópole, de modo que, embora não houvesse uma identidade nacional, os crioulos experimentaram um estranhamento em relação aos interesses de Espanha - materializados nas Reformas Bourbônicas.
Tafnes do Canto
Referência Bibliográfica
Schwartz, S. e Lockhart, J., A América Latina na Época Colonial, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002
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